Compartilho trechos do email que recebí do Cézar, contando uma experiência muito bonita de convivência familiar com idoso:
"Ela era tão educada e discreta, que o seu jeito contrastava com a agitação daquele ambiente de trabalho, onde centenas de meninas trabalhavam em suas respectivas mesas e outras dezenas de rapazes subiam e desciam os andares, pesquisando documentos antigos, em arquivos, livros, fichas, microfilmes.
Foi inevitável conhecê-la, pois eu também trabalhava por esses arquivos, buscando documentos e preenchendo relatórios.
(...)
Voltanto à japonesinha, aquela simplicidade e educação ao pedir algumas coisas e ao explicar outras, me intimidava mais do que gestos de arrogância que eu já havia presenciado. Mas naturalmente fomos nos tornando mais amigos, e tivemos oportunidades de conversarmos sobre outras coisas além do trabalho. Não houve qualquer intimidade além disso.
Porém... Foi por esse caminho que ela se tornou inesquecível para mim.
(...)
E assim caminhava a humanidade naquele espaço bancário, feio, mas repleto de belas colegas.
"O que você e tua família assistem na TV à noite ?".
Ela riu e disse: "Nós não assistimos TV em casa".
Claro que considerei estranho, e perguntei se ela não gostava, ou se os irmãos não gostavam.
Ela disse: "sim, nós gostamos, mas não diariamente. Quando queremos ver algo, combinamos de ver na casa de algum vizinho ou amigo".
"Ah ! Então vocês não tem TV ! ". Disse eu. E ela confirmou que os irmãos e os pais decidiram há vários anos, não ter TV em casa. Claro que eu quis saber porque... E ela explicou.
No Japão, era infalível todos os dias, após o jantar, o avô dela contar alguma história de lá, ou algum fato da vida dele. E aqui no Brasil, ele continuou fazendo isso com os pais dela, pois viviam
no interior em lugar que não tinha eletricidade ainda. Com a mudança e evolução das coisas, agora morando em cidade grande, com o crescimento dos netos, ele pediu para que não se usasse TV na casa deles, para não interromper aquele hábito que já tinham há muitas décadas.
Surpreendetemente, para mim, todos concordaram, inclusive os netos, incluindo ela e os irmãos.
Assim, após o jantar, na casa da colega japonesinha, enquanto o avô contava suas aventuras, ou as lendas de seu país, alguns faziam o trabalho da escola, outros dois jogavam umtipo de xadrez, outro desenhava, enfim, todos ouviam o avô diariamente.
Fiquei imaginando o tipo de pessoas que eles eram, não tendo que assimilar toda essa carga diária da TV, e sim alguém de mais de 90 anos que estava sempre pronto a dividir com eles os frutos de
tanta vivência, os quais ele não teria mais para onde levá-los.
Isso me deu vontade de pedir para ela me levar na casa da família (após o jantar, claro) para eu conhecer o avô dela. Considerei isso uma descoberta fantástica.
De novo ela riu, e disse: "Sim, posso apresentá-lo em casa, mas você tem que entender japones para ouvir as coisas que meu avô conta. Ele não fala o portugues".
Nossa ! Que ducha !
Foi como ver e sentir o cheiro de um belo assado e depois descobrir que a comida era de plástico.
Não cheguei a conhecer o avô dela. Infelizmente. Mas pela maneira como ela comentou umas tres histórias que ele contara, eu senti que aceitaria até aprender "grego em braille" para usufruir um pouco do que aquelafamília vivia todas as noites após o jantar. "
(....)Mas o inesquecível estaria por vir, quando, conversando com a "japonesinha", perguntei: Ela era filha e neta de japoneses. Algumas vezes trabalhava na mesa, outras vezes andando pelos arquivos.
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