sábado, 26 de janeiro de 2013

Família e Vida

A notícia é antiga, de maio passado, mas a reflexão, a inquietude e a positividade que geram é sempre atual...

"Que morra nos braços de uma mãe" - Sta. Tereza de Calcutá
Testemunho exclusivo enviado para ZENIT dos pais de Pietra, menina portadora de holoprosencefalia alobar, doença citada durante o julgamento dos anencéfalos no STF.
Por Rodrigo Bettoni e Raquel Slomp Bettoni
CAXIAS DO SUL, sábado, 12 de maio de 2012 (ZENIT.org) - Durante os dias 10 a 12 de abril de 2012, no Supremo Tribunal Federal, votou-se a liberalização do aborto de fetos anencéfalos, com base em argumentos que questionam a viabilidade dessas vidas, a possibilidade de desenvolvimento e a brevidade da existência dessas crianças. Sob o pretexto de garantir às mulheres a liberdade para levar adiante uma gestação em tais condições, aprovou-se, por 8 votos a 2 o aborto de crianças anencéfalas.
 
Diante dos acontecimentos daqueles dias, não pudemos deixar de testemunhar o que temos vivido. Nossa filha, Pietra, é portadora de uma encefalopatia severa denominada holoprosencefalia alobar que foi inclusive citada pelo ministro Sr. Ricardo Lewandowski em meio a sua excelente argumentação contrária a liberalização do aborto.
 
Quem é a Pietra?
Pietra é uma menina de quase 4 anos de idade, que nasceu com uma grave mal formação cerebral: ?Holoprosencefalia Alobar?. Síndrome esta que é caracterizada por um prognóstico de vida reservado: algumas horas quando as deformidades físicas são incompatíveis com a vida; alguns dias ou poucos meses, dependendo da severidade em que acomete a criança. No caso da Pietra, devido a gravidade da displasia cerebral existente, se sobrevivesse às complicações relacionadas à patologia (hipotermia, pneumonia) viveria alguns meses em condições bem adversas e penosas. Hoje, Pietra alimenta-se por sonda, não caminha, não enxerga, mas ouve muito bem. Tenta simpaticamente comunicar-se através de sons, tem um belo sorriso que escancara uma única verdade: está viva com toda a sua capacidade e vontade.O diagnóstico dessa anomalia só foi percebido três dias após seu nascimento, uma vez que a mãe biológica dela não fizera nenhum pré-natal, pois já havia decidido dá-la em adoção.
 
Como conhecemos a Pietra e porque decidimos adotá-la?
Nós tivemos a graça de conhecê-la, nos seus primeiros dias de vida, em meio a um turbilhão de informações e palavras tão complicadas quanto a sua debilidade física. Somos casados há 18 anos, temos três filhos biológicos e dois adotivos, mas todos os cincos ?nossos filhos?. Plasmados antes no coração e na resposta a vocação própria do sacramento do matrimônio do que gestados fisicamente. Esperávamos nosso quarto filho, na fila da adoção, quando soubemos que uma pequena menina com uma ?grave doença cerebral? tinha sido deixada no hospital sem muitas esperanças de sobrevivência. Quando a vimos pela primeira vez, Pietra estava na Unidade de tratamento Intensivo com freqüentes paradas cardio-respiratórias com a expectativa de poucas horas de vida. E, nessa tremenda fragilidade, pudemos testemunhar a potência da vida que quer cumprir sua missão. Na saída da UTI, a caminho da capela do hospital, entendemos que estávamos diante de um grande mistério: o mistério do amor inefável de Deus Pai que tem a cada ser em seu coração e toma para si a causa de seus filhos, especialmente os mais fragilizados e abandonados. Sabíamos que era preciso responder a esse Amor que suavemente propunha algo que, sem dúvida, nos ultrapassava em todos os âmbitos. A adoção foi a resposta que livremente brotou dos nossos corações diante do que vivemos naqueles dias. E, apesar do medo das previsões nada animadoras, mas com a firme esperança de estar correspondendo à vontade de Deus, fomos lançados na maior, mais intensa e mais plena vivência que podíamos ter imaginado para nossa família. O Senhor nos surpreende com seus planos. Naqueles primeiros dias, em que ela extraordinariamente lutou pela vida, nós a acompanhamos sabendo que, pelo tempo que ela vivesse, nós a amaríamos e não seria em vão. Ela sentiria o amparo, o conforto, o consolo, a doçura e a ternura de que precisava. Mas, se viesse a falecer em poucas horas ou dias, ela morreria nos braços de uma mãe. Depois de alguns dias (36 para sermos exatos) eis que abríamos a porta de nossa casa com nossa pequena filha no colo.
 
O que pensamos sobre a decisão do STF?
Sentimo-nos de luto. As crianças anencefalas são portadoras de vida - como, aliás, o são todos os fetos - na forma mais fragilizada e, por isso mesmo, devem ser especialmente protegidas e amparadas em todas as suas necessidades sendo completamente vergonhoso e cruel negar-lhes esse amparo e acolhimento. É inaceitável que um tema de reflexão filosófica, tão delicado quanto complexo como o é a vida em sua definição, seja tratado de maneira tão simplista e definido não na verificação da verdade, que é imutável, mas banalizada superficialmente pelo interesse obscuro de alguns. Não é possível que fiquemos nos debatendo no vazio de hipóteses ou argumentações volúveis e subjetivas mas, é necessário antes, que diante de uma gestação tecida com tais sofrimentos as mulheres sintam-se amparadas e possam receber a informação e o apoio devidos, sendo acompanhadas por uma legislação que respalde a vida tanto sua quanto de seu filho.
 
Quais razões justificam particularmente nosso testemunho?
Seriam suficientes para rejeitar essa decisão os argumentos científicos, segundo os quais as conseqüências de um aborto provocado são violentamente danosos a saúde psicológica e física da mulher; além das razões éticas intrínsecas a essa questão: um ser humano é digno de cuidado em qualquer fase do seu desenvolvimento, quanto mais se dependente e indefeso. Ou, agredir a quem não pode defender-se não é mais considerado um ato abominável? Mas, acima de qualquer argumentação, para nós, está a moral cristã católica na qual vivemos e da qual aprendemos o valor salvífico da cruz. Ninguém de nós pode evitar durante a sua vida o sofrimento próprio ou o de quem ama. O mistério do sofrimento, inerente à condição humana, sempre nos alcança e procurar negá-lo, quando inevitável, só transtorna e desfigura a capacidade do ser humano de dilatar seu limite de amar, a capacidade de estender os braços e alcançar o outro que sofre. Gerar um filho é acolhê-lo da maneira como ele é, nas suas debilidades e nas suas potencialidades, com sua especial beleza, ainda que revestida de deformidades físicas. Do mesmo modo que, ao contemplarmos a cruz de Cristo contemplamos sua potência redentora que foi tecida no sofrimento e aniquilação, mas que resplandece vitoriosa e dá a razão de nossa fé. 
 
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